O que o Polo de Tecnologia de AL pode aprender com o Porto Digital? Silvio Meira explica

Agendaa 21 de junho de 2019

por Rodrigo Cavalcante

Não se iluda.

Ao contrário do que pregam palestrantes de empreendedorismo de palco, o mundo na era digital não é plano (como no título do livro do jornalista Thomas Freedman) e está longe de oferecer oportunidades iguais para empreendedores de todas as regiões.

E quem diz isso é ninguém menos do que Silvio Meira, um dos fundadores de um dos maiores sistemas de inovação do Nordeste, empreendedor, engenheiro do ITA, fundador do C.E.S.A.R e do Porto Digital do Recife, paraibano radicado na capital pernambucana, que esteve em Maceió sábado passado para participar do evento Mindsruption, promovido pelo Sebrae Alagoas.

Logo após a palestra, Meira falou a AGENDA A sobre a trajetória da construção do Porto Digital e do que Alagoas pode fazer para que seu Polo de Tecnologia no Jaraguá seja mais do que um belo prédio a ser inaugurado em breve.

Apesar de o Porto Digital de Recife ter se tornado referência no país, você já disse que tentar reproduzi-lo em outros locais do Nordeste, como Maceió, por exemplo, seria bobagem. Que conselho você daria para que Alagoas tenha seu próprio polo de inovação?  

Qualquer novo polo econômico ou tecnológico não surge no vácuo ou por geração espontânea. Aqui em Alagoas, mesmo, há um exemplo disso. Por muitas décadas, assim como Pernambuco no passado, a grande força da economia alagoana foi a transformação da cana em açúcar e álcool. Depois a mineração e extração de sal para cloro-soda. Não conheço em detalhes a história econômica do Estado, mas é fato que, com o passar do tempo, o turismo se tornou uma grande força na economia alagoana. Para que isso tenha ocorrido, empresários investiram em hotéis décadas atrás, agentes no governo investiram em promoção do destino, empreendedores criaram pousadas charmosas no Litoral Norte. Até que se formou uma massa crítica capaz de transformar o Estado numa potência turística nacional. O Porto Digital de Recife também levou décadas para virar uma realidade. Para sua formação, foi essencial contar com um centro de formação como o Curso de Computação da UFPE, com engajamento de agentes de governo para criar incentivos e facilitar a instalação de empresas no Centro de Recife e, claro, com um núcleo de empresários dispostos a apostar e investir recursos. Para que essa rede se forme, o essencial não é a tecnologia em si. O essencial é ter uma boa estratégia e gente de qualidade trabalhando e convivendo num mesmo espaço, criando novos negócios e pensando grande, ainda que os recursos sejam escassos.

Esse pensar grande é o que você chama de uma “mentira realizável”? 

Isso, uma mentira realizável é uma visão que deixa as pessoas instigadas e algumas até preocupadas que, de repente, aquilo pode se concretizar. Agora mesmo estamos montando no CESAR aquela que será a principal escola de negócios de futuro do norte-nordeste. Mas, como disse, para que a mentira seja realizável é preciso uma estratégia clara. É preciso saber quem são os concorrentes. No nosso caso, por exemplo, não temos a intenção de competir com a UFPE, que continuará formando os grandes quadros nas áreas de Computação. Nossa concorrência será com outras escolas de negócios do país com filiais na região. Com uma visão de futuro clara, uma estratégia consistente e um time de primeira trabalhando juntos, as chances da mentira se realizar aumentam muito.

Ainda assim, você costuma dizer que a escolha da cidade ainda faz muita diferença para o sucesso de um negócio. Como paraibano, você não acredita que o Porto Digital, por exemplo, poderia ter nascido em Campina Grande?

 O caso de Campina Grande é um bom exemplo. Como você sabe, graças ao Linaldo (Cavalcanti), que liderou a criação do campus no final da década de 1960, a segunda cidade da Paraíba conseguiu se tornar mais importante do que a segunda cidade mais importante de Pernambuco, Caruaru, que não contou com um centro de formação à altura. O que é uma prova da força de um grande centro de formação na atração de pessoas talentosas que termina mexendo com toda a cidade, mudando o padrão de expectativa e de exigência dos serviços locais. Mas, apesar de decisivo, uma cidade precisa mais do que um grande centro de formação para se tornar um grande polo de novos negócios. Em Recife, por exemplo, há outras vantagens competitivas concretas para negócios. Como, por exemplo, um aeroporto com voos diários para São Paulo onde, por exemplo, está a maioria dos clientes do Porto Digital. Tem dias que vou a São Paulo pela manhã, me reúno com um cliente no Aeroporto de Congonhas, e volto para jantar em Recife.

Ou seja, apesar de todas as facilidades de comunicação virtual, o contato humano ainda continua essencial para os negócios?

Sim, as coisas acontecem de forma diferente quando as pessoas estão próximas fisicamente. Quer uma prova? Quando estou com a agenda lotada e ofereço uma palestra remota de casa, às vezes de graça, ninguém quer (risos). E acho que o principal sucesso do Porto Digital é esse: juntar mais de 800 empreendedores em um mesmo lugar em que todos podem se encontrar em poucos quarteirões de distância. Um local onde as pessoas tomam café juntas, criam novos negócios, enfim, onde se dá a tal serendipty (conceito onde a aleatoriedade de pessoas reunidas termina gerando inovações).

 O governo de Alagoas está prestes a inaugurar um novo prédio do Polo de Tecnologia de Informação no Jaraguá. Você conhece o ecossistema local. Que conselho daria para o polo prosperar?

O primeiro conselho é que o Polo não dependa do governo. Um polo de inovação só se sustenta quando conta com um modelo de gestão em que o governo é parte, sim, importante, mas não controladora. Caso contrário, a cada novo governo, o polo será ameaçado. E isso não ocorre apenas em Maceió. Em Recife, mesmo, foram necessários muitos anos para que o polo fosse blindado da tentativa de um novo prefeito ou governador de mudar sua essência. E olha que desde o início desenhamos um modelo e um marco legal de governança independente para nos protegermos. Outro ponto importante é a definição das lideranças. Sem lideranças capazes de contar com a confiança e apoio dos integrantes do ecossistema, o polo se torna, no máximo, um prédio onde estão instaladas algumas empresas com um auditório anexo bacana para palestras. E isso não tem nada a ver com um polo de inovação verdadeiro. Outro ponto imprescindível, como falei, é ter uma estratégia clara. O que Alagoas e Maceió querem, de fato, com esse polo? E aí não adianta gastar somas com consultoria de fora para definir uma estratégia escrita num livro bonito, mas sem nenhuma conexão com a realidade e com as vantagens competitivas locais. Como falei, Alagoas tem suas próprias forças e vocações, seja na área do turismo, seja na área de energia renovável, ou em outros setores. E a estratégia da criação de um ecossistema local de inovação precisa ser feita em conexão com as singularidades do Estado.