“Alagoas não é uma ilha e não há dados científicos para relaxar a quarentena”, diz pesquisador

Agendaa 28 de março de 2020

Por Rodrigo Cavalcante

Como Alagoas tinha registrado até sexta (27) “apenas” 12 casos confirmados de coronavírus, será que não era hora do governo do Estado e prefeitura reverem os decretos de quarentena que paralisam a economia do Estado?

“Esses 12 casos são apenas a ponta do Iceberg e Alagoas, definitivamente, não deve relaxar na quarentena”, diz o pesquisador paranaense Ênio José Bassi, doutor em imunologia pela USP e professor e pesquisador da área de imunologia e virologia do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Ufal, onde tem desenvolvido pesquisas sobre o vírus Chikungunya reconhecidas internacionalmente. “Além disso, o Estado não é uma ilha e, ao menos até o momento, o vírus tem se propagado em regiões quentes como prova o aumento de casos no Ceará, Bahia e em Estados vizinhos como Pernambuco”, disse em entrevista a AGENDA A neste sábado.

Confira abaixo a entrevista com o imunologista:

Até sexta (27), Alagoas tinha 12 casos confirmados de coronavírus. Empresários e trabalhadores questionam se esse número não seria pequeno para justificar uma paralisação tão grande da economia do Estado. O governo não poderia rever a extensão das medidas?

Não. Esses 12 casos registrados são apenas a ponta do iceberg. Os testes no Estado ainda estão sendo realizados de forma limitada e seletiva, até em função da incerteza quanto ao prazo do recebimento de novos kits por parte do governo federal. Por isso mesmo, esses dados não podem ser encarados, infelizmente, como uma evidência de que a pandemia estaria controlada no Estado. Não há dado que justifique essa tese, ao menos por enquanto. Além disso, já confirmou-se caso de transmissão comunitária em Alagoas. O vírus está entre nós e, em todas as regiões do mundo afetadas, o distanciamento social tem sido o meio adotado para evitar um grande número de mortes e infectados, evitando assim o colapso no sistema de saúde. Políticos que contestaram essas medidas anteriormente em outros países estão tendo agora que pedir desculpas públicas à população, como foi o caso do prefeito de Milão, que admitiu que “dizer para não fechar a cidade foi um erro”. Até nos Estados Unidos, onde alguns líderes trabalhavam com a hipótese de uma quarentena vertical (focado nos grupos de maior risco, como idosos), estamos vendo agora o país se tornar o novo epicentro mundial da pandemia. Além disso, Alagoas não é uma ilha. E não podemos olhar os números do Estado sem olhar os de estados vizinhos.

Nesse caso, deveríamos levar em conta os indicadores de Pernambuco e Sergipe, por exemplo, antes de qualquer revisão?

Sim, eles precisam ser analisados. Não há fronteiras políticas para o vírus. Dezenas de municípios alagoanos são vizinhos ou estão próximos de cidades de Pernambuco, de Sergipe, onde os casos têm aumentado. Precisamos entender que, se relaxarmos agora a quarentena, as projeções indicam um cenário de dispersão semelhante ao de outras regiões e países. Na Inglaterra, por exemplo, o primeiro-ministro Britânico, Boris Johnson, também trabalhava com a hipótese de não parar o país. Mas, quando avaliou as projeções de instituições como o “Imperial College” de Londres, uma das instituições médicas mais respeitadas do mundo, logo percebeu que não haveria outra saída a não ser implementar medidas restritivas. Ele próprio foi infectado recentemente e o país aumentou as restrições. Precisamos entender que nenhum governante toma uma medida como essa por, digamos assim, excesso de precaução. A quarentena tem, sim, um alto custo econômico e social. Mas os custos de afrouxar o isolamento social nesse momento serão bem maiores, seja no número de mortes, seja social e economicamente.

O nosso clima do Nordeste do Brasil é muito diferente de países como Itália e Inglaterra. Isso não poderia ser uma barreira à propagação deste vírus por aqui?

Sabemos ainda muito pouco sobre o coronavírus. Assim, temos que ter muito cuidado ao fazer suposições como essa a respeito da propagação ou não deste vírus devido a condições climáticas. Infelizmente, pelo que temos visto até agora, o clima não está se mostrando uma barreira suficiente. Basta ver o aumento de casos em Pernambuco, Bahia e no Ceará, só para dar alguns exemplos próximos. E precisamos ter cuidado ao tratar o calor como uma barreira. Até porque é em nosso corpo, que tem temperatura média de 36,5°C, que o vírus se replica. Além disso, considerar o SARS-CoV-2, nome oficial do vírus, como causador somente de uma gripe leve é ir de encontro à própria denominação deste vírus. “SARS” é a sigla em inglês de “Severe Acute Respiratory Syndrome”, ou seja, Síndrome Respiratória Aguda Severa. É essa crise respiratória severa que atinge uma parcela dos infectados que está causando o colapso do sistema de saúde e levando à morte milhares de pessoas no mundo. Como a parcela das pessoas que desenvolvem esses sintomas pode chegar rapidamente a milhares, não há sistema de saúde capaz de suportar um número tão grande de pessoas internadas respirando por ventilação mecânica. Até porque as pessoas que apresentam esses quadros precisam passar vários dias internados.

É por isso que algumas instituições estão preferindo chamar a doença de pneumonia viral altamente contagiosa?

Isso. Ainda que esse quadro de crise respiratória aguda não apareça entre o maior número de infectados, a proporção dos contaminados que apresenta esses sintomas é mais do que suficiente para colapsar o sistema de saúde se não mantivermos as medidas de distanciamento social.

Mas você não acredita que os governantes poderiam indicar com mais clareza quais os dados que usarão para manter, suspender ou renovar uma quarentena?

Sim, mas a verdade é que, apesar de um esforço mundial, ainda precisamos conhecer mais sobre o vírus. Por enquanto, os governantes precisam tomar decisões com base em projeções e em modelos matemáticos de propagação do vírus. E, até agora, os que não levaram a sério essas projeções no início foram infelizmente obrigados a conviverem com o colapso do sistema de saúde e um alto número de mortes. O vírus não muda de comportamento em função da linha política ou ideológica de nenhum governante. Sei que as restrições são difíceis, ainda mais para nossa geração, que nunca passou por algo assim. Mas, até agora, é a única medida que tem se mostrado eficaz.