“Inovação não é só startup”: novas lideranças obrigam candidatos a mudar visão sobre Cultura em AL

Agendaa 14 de novembro de 2020

Milla Pasan, Ticiane Simões, Felipe Guimarães e Lailla Brito: “Não aceitaremos retrocesso na área cultural”

por Rodrigo Cavalcante

Até poucos anos, candidatos a Prefeito de Maceió sequer se davam o trabalho de incluir com seriedade o tema da Cultura em suas propostas de governo. 

Quase sempre, os poucos que falavam sobre o assunto escorregavam ou para uma visão populista (encarando cultura como festança de trio elétrico), ou elitista (como ornamento de academias e de conselhos de “notáveis”).

Nessa eleição, contudo, uma nova geração de lideranças culturais em Alagoas conseguiu alçar o tema a um novo patamar, pressionando e realizando sabatinas com os candidatos para obrigá-los a enxergar Cultura não apenas como reforço essencial da identidade e da autoestima de uma cidade, mas também como um investimento que movimenta milhões na cadeia de economia do Estado.

“Esse processo de organização vem ocorrendo há alguns anos e não vamos aceitar retrocessos na área”, diz Felipe Guimarães, presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais da Prefeitura de Maceió e uma das novas lideranças que estão ajudando a mudar a relação do setor com governantes e políticos. Formado em Marketing com mestrado em Sociologia, sócio da produtora La Ursa (uma das primeiras distribuidoras de audiovisual do Estado) e ex-gerente de marketing da Algás, Felipe se uniu com outras lideranças do Forum do Audiovisual Alagoano para, por exemplo, traçar um planejamento estratégico para o setor — algo que muitos gestores empresariais do Estado ainda não fazem. Como resultado, o Forum foi o responsável, por exemplo, por liderar a elaboração de uma proposta técnica detalhada para os editais decorrentes da parceria entre a Ancine e a Prefeitura, documento que foi acatado quase na integralidade pela Fundação Municipal de Cultura, a FMAC, liderada então por Vinícius Palmeira.

Mas não é apenas no audiovisual, onde o fomento de editais da Ancine impulsionou uma maior profissionalização do setor em todo o país, que estão surgindo novas lideranças culturais em Alagoas.

A artista plástica e produtora cultural Milla Pasan, representante do Forum das Artes Visuais (que congrega artistas plásticos e fotógrafos), usou sua formação em Direito, especialização em Direito Autoral e Propriedade Intelectual (fez mestrado profissionalizante sobre o tema na Ufal) para ajudar artistas de Alagoas e outros Estados a compreender o tema com clareza, sem a trava do juridiquês. “Felizmente, algumas lideranças políticas começam a compreender que inovação não é só startup”, diz Milla,  que recentemente escreveu um e-book sobre propriedade intelectual (que ganhou uma versão em vídeo adotada pelo Sesc Nacional). “Nas sabatinas com os candidatos, já percebemos que alguns, se ainda não compreendem o alcance da Cultura para nossa identidade, ao menos começam entender o impacto do setor na economia”.

Essa defesa de uma visão mais abrangente da Cultura com impacto direto na cadeia econômica de Alagoas tem sido também a bandeira da produtora cultural Lailla Brito. Formada em Economia pela Ufal, Lailla cresceu dentro de grupos de folguedos no Salvador Lyra (liderados por personalidades como Mestre Áurea, que faleceu em 2013) e se apaixonou por temas ligados à Cultura ainda como estudante do Colégio Estadual Maria José Loureiro, no Cepa, onde teve acesso a uma série de eventos culturais (ela ainda hoje se lembra, por exemplo, do encantamento que teve ao entrar no Teatro Linda Mascarenhas, ao lado de sua escola, para assistir a uma apresentação do cartunista Maurício de Souza). “Desde o tempo em que dançava em grupos de folguedos, me revoltava a prática da apresentação ser trocada por uma ajuda de custo ou um lanche que mal dava para alimentar a equipe”, diz Lailla. “Após compreender, tenho trabalhado para ajudar a conscientização dos grupos de que é possível, sim, buscar relações mais profissionais, sem perda de identidade e sem se submeter à velha política de balcão e troca de favores”.

E foi exatamente para combater a chamada política de balcão que a atriz Ticiane Simões, representante do Forum de Artes Cênicas no Conselho Municipal de Políticas Culturais, começou há mais dez anos a integrar movimentos em defesa de políticas culturais duradouras, com aportes financeiros mais transparentes e via editais públicos abertos, combatendo a prática em que governantes liberavam verbas seguindo critérios e interesses pessoais.

No combate à chamada política de balcão, as artes cênicas do Estado também assumiram protagonismo desde 2009, quando movimentos como o “Sou artista, luto!”, criado à época para a reabertura do Teatro Deodoro, começaram a mobilizar os artistas locais. “Todos esses movimentos, somados ao fortalecimento de cursos como o da Escola Técnica de Artes da Ufal, mobilizaram e uniram mais os integrantes em busca de direitos e políticas culurais mais consistentes e duradouras”, diz Ticiane, à frente do Forum de Artes Cênicas de Maceió no Conselho Municipal de Políticas Culturais. “E, durante a pandemia, essa reativação do Forum foi essencial para nos mobilizarmos em busca de ações emergenciais de proteção mínima aos artistas, já que o Governo Federal não incluiu a classe nos programas de auxílio emergencial”.

Em parceria com o Ministério Público do Trabalho em Alagoas, o Forum conseguiu, por exemplo, criar um programa de doação de cestas básicas, kits de limpeza e vale-gás que beneficiaram mais de 640 artistas no Estado. 

Para Ticiane, Layla, Milla, Felipe e outras lideranças culturais em Alagoas,  não há mais espaço para lideranças políticas tratarem o setor com políticas amadorísticas ou de troca de favores. Assim como outros segmentos importantes da economia do Estado, como o chamado “trade turístico”, o novo e organizado “trade cultural” exigie um papel cada vez maior no direcionamento das políticas públicas das prefeituras de Maceió e outras cidades — independentemente de quem vencer as eleições nesse domingo.


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