Jatiúca, 40 anos: como o primeiro resort de Maceió mudou o turismo em Alagoas

Agendaa 15 de setembro de 2019

por Rodrigo Cavalcante

No dia 16 de janeiro de 1980, o Jornal do Brasil, mais importante do país na época, publicou uma nota com o seguinte trecho:

“Ontem, o gerente do hotel Alteza Jatiúca, o mais procurado da capital alagoana, Roberto Acioly, foi obrigado a recusar reserva para Dona Dulce Figueiredo (…)”

Para quem não sabe ou não se lembra, “Dona Dulce Figueiredo” era esposa do então presidente da República, João Batista Figueiredo.

Isso mesmo: naquele início de 1980, apenas alguns meses após ser inaugurado, em 1979, o Hotel Jatiúca já era tão procurado que nem a primeira-dama conseguia uma suíte com facilidade. 

Hoje, quando Maceió se consolidou como um dos destinos turísticos mais desejados do país, é difícil imaginar como um hotel que não pertencia a nenhuma rede hoteleira tradicional, único resort erguido pela família Lundgren, do grupo das Casas Pernambucanas, foi tão decisivo para mudar o perfil do turismo em nossa capital.

 

O primeiro “pé na areia”

 “O Jatiúca não mudou apenas o eixo do turismo em Maceió, mudou o próprio conceito de hotelaria de praia no Brasil”, diz a arquiteta pernambucana Glauce Botelho, cujo escritório em Recife se especializou em projetos de hotelaria desde o início dos anos 1980, quando assinou alguns dos primeiros hotéis de Porto de Galinhas e de Fernando de Noronha. “Além de ser o primeiro resort ´pé na areia´ em uma capital brasileira, sua arquitetura integrada à natureza, ambientação refinada com peças de artistas locais, paisagismo e detalhes inovadores à época como a piscina cheia de curvas, o fariam referência para todos os hotéis de praia no Brasil”, diz a arquiteta, que se tornou mais tarde consultora de projetos do Hotel Jatiúca e responsável pela mais recente reforma de modernização.

Para Glauce e outras fontes ouvidas para esta reportagem, o pioneirismo do hotel, que aliava refinamento com valorização de artistas regionais (numa época em que hotéis de luxo eram cópias de ambientes de redes internacionais, sua recepção tinha painéis do alagoano Fernando Lopes e peças de madeira de Manoel da Marinheira), deve-se ao empenho pessoal de uma das mais importantes empresárias brasileiras do século 20.

Em meados da década de 1970, Helena Lundgren (foto à esquerda) já era conhecida em todo o Brasil como a grande dama do varejo à frente das Casas Pernambucanas, então um gigante do setor com sede em São Paulo e mais de 800 lojas em todo o país. Após perceber o potencial do mercado do turismo, ela conseguiu convencer os acionistas a entrarem no ramo da hotelaria, com foco no Nordeste, onde sua família fez fortuna desde a chegada do primeiro Lundgren – sueco que se estabeleceu em Pernambuco no século 19.

Conhecida pelo carisma e atuação no mundo político, social e cultural, Helena foi diretora de museus como o de Arte Contemporânea em Olinda e chegou a ser parceira, por exemplo, do então poderoso jornalista Assis Chateaubriand nas campanhas para convencer empresários brasileiros a doarem obras de arte a museus em todo país. No início dos anos 1980, Lundgren chegou a investir até no cinema brasileiro e dizia que um “empresário deve lembrar que não é apenas um agente econômico do seu respectivo setor e que pode e deve investir em arte e cultura no país”.

 

Mudança de eixo

Com a criação da Arthur Lundgren Hotéis S.A., em 1976, Helena sonhava em voltar a ter um papel mais atuante no Nordeste já que, desde o início dos anos 1970, havia ficado com a fatia do grupo na região sudeste e sul. “Foi então que representantes da Casas Pernambucanas que já conheciam Maceió perceberam que existia espaço para novos hotéis na capital alagoana”, diz Antônio Noya, atual assessor de comunicação da Santa Casa de Misericórdia de Maceió que, além de ter acompanhado as tratativas do governo alagoano para atrair o empreendimento, trabalhou por mais de dez anos como o primeiro relações públicas do hotel. “Lembro que as tratativas iniciais se deram ainda no governo Afrânio Lages (1917-1975) e, durante o primeiro governo Suruagy (1975-1978), o projeto conquistou total apoio e foi concluído”, diz Noya, que graças ao trabalho como RP do Jatiúca, formou uma rede de contatos única no turismo brasileiro. 

Para que o hotel fosse implantado, Noya lembra que, além da concessão de terreno de Marinha pelo governo (na faixa de terra onde está hoje localizado o restaurante), o grupo precisou adquirir os terrenos à beira da lagoa da Anta (na verdade, um rio) que faziam parte então de um loteamento. Num tempo em que a paisagem na região era marcada por imensos terrenos de coqueirais (veja foto ao lado), o novo hotel não apenas deu novo impulso ao bairro, como mudou o eixo da hotelaria alagoana – cujos grandes hotéis ainda estavam localizados na região central ou na Praia da Avenida, como o Beiriz, o Hotel Beira Mar e o Luxor, então o mais sofisticado da cidade, erguido em 1975 (prédio que atualmente sedia a Justiça Federal do Trabalho).

 

“Cidade sem graça”

Para promover seu novo empreendimento, Helena Lundgren fez questão de trazer a Maceió empresários e personalidades de São Paulo, Rio e Brasília, que desembarcaram em Maceió em voo da Transbrasil especialmente fretado para a ocasião. Segundo notas publicadas em colunas sociais da época, os primeiros convidados consumiram durante a estadia “114 garrafas de uísque, 318 de vodka, 136 de rum, 2 975 cervejas, 2828 refrigerantes, 285 quilos de carne, 265 quilos de lagosta, 196 de camarão, 230 de frango, 146 de peixe e 118 de sururu”. A mesma nota, um tanto maledicente com Maceió, dizia que os viajantes se divertiram muito, mas acharam a cidade sem graça e pouco atraente. “Ninguém entendeu o fato de um hotel tão chique construído em tal cidade”, questionava uma das notas publicadas no jornal carioca Última Hora e republicada no Diário de Pernambuco.

O fato é que a estratégia de Helena para tornar o hotel conhecido, seja via o boca a boca dos convidados ou por meio das campanhas em grandes revistas e jornais da época, logo surtiu efeito. E os empresários de São Paulo e Rio que não foram convidados para a inauguração, logo decidiram vir a Maceió para conhecer o novo resort que se tornou refúgio de personalidades empresariais, artísticas, políticas e esportivas – da primeira dama ao então poderoso líder do PDS, Paulo Maluf, de artistas como Julio Iglesias à Seleção Brasileira de 1982. “Ao atrair essas personalidades para o hotel, o Jatiúca foi decisivo para reposicionar Maceió em um novo patamar no turismo nacional”, diz Ricardo Almeida, atual diretor de operações do Salinas Maragogi que trabalhou no hotel nos anos 1980. Não à toa, reportagens da época no Jornal do Brasil apontavam Maceió como “a nova Meca do turismo no Nordeste” e destacavam o hotel como um caso de sucesso “à prova de crise”, com taxas de ocupação de 100% na maior parte do tempo.

A fama do hotel logo fez com que donos de algumas novas agências de turismo de São Paulo tivessem que lutar pelo status de contar com alguns quartos para seus clientes. Esse seria o caso, por exemplo, do empresário Guilherme Paulus, criador da CVC, que suou para conseguir bloquear os primeiros 10 quartos para sua agência. “A pedido do Guilherme, eu mesmo tentava sensibilizar a direção para a necessidade de abrir parcerias com agências, ao menos na baixa temporada”, diz Noya. “Mas o então gerente de origem francesa, Yves Penicaud, era sempre muito rigoroso na manutenção do padrão e da imagem do hotel voltado para um público de padrão elevado”. Yves, que veio de Nice para assumir em 1980 a gerência (e mais tarde a diretoria) do Jatiúca, foi também figura decisiva para a internacionalização do hotel que logo passou a atrair turistas da Argentina e de outros países que desembarcavam em voos fretados. Prestes a completar 89 anos, ele comanda hoje com a esposa uma escola filantrópica no bairro Henrique Equelman e ainda mora quase ao lado do hotel.  

Apesar do sucesso do Jatiúca, logo ficou claro que os outros acionistas não tinham o mesmo interesse de Helena Lundgren, assim como de sua filha e sucessora Anita Harley, em seguir no setor na hotelaria. Talvez por isso, o segundo hotel da rede, que seria construído no Rio Grande do Norte e batizado de “Jatiúca Natal”, nunca foi lançado, mesmo com projeto arquitetônico pronto e terreno concedido pelo governo potiguar. “Infelizmente, o projeto ficou no papel e o terreno oferecido pelo governo ficou disponível até o início dos anos 2000”, diz Glauce Botelho, que esteve à frente do projeto arquitetônico a pedido de Helena Lundgren e da filha Anita – que, após a morte da mãe, em 1990, se tornou a guardiã dos interesses da mesma sobre o hotel. “Poucos anos antes de morrer, quando estava morando na Suiça, Helena sempre me pedia detalhes sobre o hotel pelo qual tinha tanto apreço”, diz Glauce. “Ela queria saber não apenas de detalhes que incluíam a situação da vegetação e das flores, como tinha um genuíno interesse e carinho por todos os colaboradores”.

 

Futuro

Glauce também esteve à frente do projeto da recente reforma concluída em 2015, na qual foram investidos mais de R$ 30 milhões na ampliação de espaços de eventos, modernização e revestimento de áreas comuns e dos quartos. Apesar da reforma prever também a construção de um novo bloco, em área anexa à quadra de tênis, para ampliação do número de quartos, essa parte da obra não foi executada. “Mas temos a expectativa de que a partir do ano que vem essa ampliação seja iniciada”, diz Adriana Faria, atual gerente comercial e de marketing do hotel.

Com o agravamento, contudo, do estado de saúde da filha de Helena, Anita Harley, que não tem filhos (segundo apurou AGENDA A, Anita estaria em estado de coma em São Paulo há mais de um ano), resta saber se algum membro da nova geração dos Lundgren se preocupará em preservar o legado do empreendimento pioneiro da matriarca Helena. Uma mulher de visão que, num tempo em que desenvolvimento ainda era associado apenas com “indústrias de chaminés”, ajudou o resto do Brasil a enxergar Maceió como um dos destinos mais desejados do turismo no país.