Afroturismo: como Alagoas pode se tornar um dos polos de um setor que movimenta bilhões
Agendaa 1 de dezembro de 2020
Gulherme Soares Dias, da agência paulista de turismo Black Bird, em viagem a Salvador: potencial de Alagoas está apenas iniciando
por Rodrigo Cavalcante
Cinquenta bilhões de dólares.
Segundo a revista norte-americana Time, esse é o valor aproximado que os afrodescendentes nos Estados Unidos gastavam anualmente com turismo antes da pandemia – boa parte do valor em viagens a destinos de resgate da cultura e ancestralidade negra, como África do Sul e, no Brasil, em cidades como Salvador e Rio de Janeiro.
E Alagoas, sede do Quilombo dos Palmares, maior centro de resistência à escravidão das Américas?
“Por sua importância, o Quilombo dos Palmares deveria ser visitado não apenas pelos afrodescendentes, mas por todos os brasileiros”, diz Guilherme Soares Dias, jornalista criador do blog “Guia Negro” e sócio da agência especializada em afroturismo Black Bird Viagem e Representatividade, com sede em São Paulo, que organiza passeios e viagens com roteiros com temas voltados para o segmento. “Apesar de já indicarmos e oferecermos pacotes com destino a Palmares, o investimento maior na valorização de roteiros e empreendimentos culturais com foco na cultura negra em outros pontos do Estado poderia transformar Alagoas num polo muito maior de afroturismo no Brasil”.
Em Alagoas, a Black Bird, assim como outras agências em São Paulo especializadas em roteiros temáticos como a Brafrika e a Diáspora Black, já contam com suporte de operadoras de turismo do Estado como “Alagoas Cultural”, criada em novembro de 2019 em Maceió pela Relações Públicas Érica Rocha e pela turismóloga Jéssica Conceição que desenvolveram roteiros em Maceió chamados “Andança Negra”, passeios temáticos tratando de episódios como o Quebra de Xangô ou sobre personalidades como o Moleque Namorador (veja foto das fundadoras abaixo). “Percebemos que os próprios turistas cobravam passeios e experiências sobre a cultura e história afro no Estado que não encontravam nos roteiros tradicionais”, diz Érica. “E a expansão das agências especializadas em afroturismo em estados como São Paulo e Minas, por exemplo, abre também um novo espaço de mercado via parcerias que mostra como Alagoas tem um potencial de se tornar um grande polo nesse setor”.
De acordo com as agências especializadas, acontecerá com o mercado de turismo o mesmo que ocorreu com a indústria de cosméticos. “Assim como as gigantes de cosméticos não podem mais ignorar milhões de consumidores negros em busca de produtos para o cabelo crespo, por exemplo, a indústria de turismo mundial descobriu que não pode ignorar milhões de consumidores negros em busca de roteiros mais centrados no interesse desse público”, diz Guilherme Soares Dias, da Black Bird. Ele explica que isso não significa, claro, que o turista interessado em conhecer Palmares deixará de lado as belas praias de Alagoas. “A diferença é que esse perfil de turista, ao passar pelo povoado de Riacho Doce, por exemplo, vai valorizar e querer saber muito mais sobre as boleiras que preparam seus quitutes em fornos artesanais e também sobre a cozinha quilombola”, diz o fundador da Black Bird. “Daí a importância de valorizar e investir cada vez mais em grupos locais que realizam um bom trabalho na área, como o Alagoas Cultural, como privilegiar também a experiência e contato com outros empreendedores que valorizam os produtos e a cultura afrodescendente”.
E esse treinamento, claro, poderia começar já no aeroporto.
Guilherme lembra que o turista que desembarca no Zumbi dos Palmares, por exemplo, não encontra sequer uma grande imagem ou estátua do homenageado, ou tampouco tem acesso fácil a informações detalhadas sobre como chegar à Serra da Barriga. “No aeroporto mais movimentado da África do Sul, em Joanesburgo, o visitante logo se depara com uma estátua do ativista negro antiapartheid Oliver Tambo, que deu nome ao terminal”, lembra Guilherme. “Por que, então, o aeroporto de Alagoas, que já tem o nome Zumbi dos Palmares, não investe mais em imagens e referências ao homenageado?”.
Apesar de Alagoas explorar menos o potencial no afroturismo do que estados como Bahia, Rio de Janeiro e até São Paulo (que já conta roteiros temáticos afro regulares), o empreendedor acredita que a tendência de crescimento desse segmento é irreversível e não poderá ser mais vista como um “nicho” nos próximos anos – até porque não faria sentido chamar de “nicho” um segmento de público que forma a maioria da população brasileira segundo o IBGE. Além disso, como explica o próprio Guilherme, apesar do afroturismo ter como foco conhecer, viver e reviver mais da cultura e história negra, ele pode e deve ser praticado por qualquer pessoa.
O fato é que, assim como milhares de brasileiros viajam em busca da história de ancestrais que migraram ao Brasil de países como Portugal, Itália, Japão e Líbano, por exemplo, milhões de brasileiros e turistas de outros países viajarão cada vez mais em busca de conexão não apenas com a ancestralidade em países da África, como também de regiões consideradas emblemáticas e até sagradas, como a da maior república de resistência negra colonial das américas localizada em Alagoas – com acesso via BR 104 a pouco mais de 67 quilômetros do aeroporto que hoje é Zumbi dos Palmares apenas no nome.
Jéssica Conceição e Érica Rocha, da Alagoas Cultural, operadora alagoana de turismo que desenvolveu roteiros como “Andança Negra”
Saiba mais sobre a Black Bird aqui, Alagoas Cultural aqui e veja abaixo vídeo sobre uma viagem liderada pela agência ao Parque Memorial Quilombo dos Palmares.