Em tempos de Lava Jato, livro quer resgatar Graciliano Ramos como modelo na gestão pública

Agendaa 20 de fevereiro de 2017

Apesar de os alagoanos se orgulharem da obra literária de Graciliano Ramos, poucos ainda deram devida atenção à carreira do escritor como gestor público à frente de cinco cargos: presidente da Junta Escolar de Palmeira dos Índios (cargo equivalente ao de secretário municipal de Educação), prefeito de Palmeira dos Índios, diretor da Imprensa Oficial do Estado, Diretor de Instrução Pública (equivalente ao atual cargo de Secretário Estadual de Educação) e Inspetor Federal de Ensino Secundário no Rio de Janeiro.

Felizmente, isso deve mudar.

No próximo mês de maio, está previsto o lançamento do livro “Graciliano Ramos e a administração pública – comentários aos seus relatórios de gestão à luz do Direito Administrativo Moderno”, em que o procurador do Estado e professor de Direito Administrativo da Ufal, Fábio Lins, analisa o trabalho do escritor como administrador público. “Graciliano foi um modelo de gestor que adotou critérios de transparência, impessoalidade e eficiência no serviço público muitas décadas antes desses conceitos serem consolidados pela Constituição de 1988”, diz Fábio Lins. Confira abaixo entrevista do autor à AGENDA A:

 AGENDA A: Os relatórios de Graciliano Ramos à frente da Prefeitura de Palmeira dos Índios já são famosos e receberam inúmeras citações. Que novo olhar seu livro pretende lançar sobre o gestor público Graciliano Ramos?

Fábio Lins: Boa parte da análise dos relatórios de Graciliano Ramos à frente da Prefeitura de Palmeira dos Índios centra-se, principalmente, na qualidade literária que despertou atenção nacional e levou o editor Augusto Frederico Schmidt a apostar na publicação de Caetés, primeiro romance do autor. Acredito que meu livro vem preencher uma lacuna no âmbito jurídico, revelando não apenas as qualidades do escritor à frente da Prefeitura, como sua atuação nos demais cargos no serviço público que ocupou mais tarde à frente da Imprensa Oficial, da direção da Instrução Pública (equivalente à secretaria de Educação) e, já nos últimos anos de vida, como Inspetor Federal de Ensino Secundário no Rio de Janeiro, então capital do país.

O que mais lhe surpreendeu no estilo de gestão de Graciliano Ramos?

Além de ter incorporado no desempenho de seus cargos conceitos como os da transparência e da impessoalidade, décadas antes de serem consolidados na Constituição de 1988, Graciliano Ramos também foi um gestor em busca da eficiência e que agia com extremo zelo com os recursos públicos. Ou seja, não se trata apenas de reconhecer seu combate ao patrimonialismo (apropriação do público pelo privado), ao nepotismo (demitiu uma tia por falta de qualificação como professora), mas também o que chamamos hoje de foco no resultado com responsabilidade fiscal. Como prefeito de Palmeira, por exemplo, ele construiu estradas gastando menos da metade que se costumava gastar por quilômetro construído pela Administração do Estado. Foi também um gestor público visionário que investiu em planejamento urbano, fiscalizava obras pessoalmente e priorizava medidas preventivas para evitar desastres naturais como enchentes. 

Numa era de delações premiadas e sistema político viciado, haveria espaço atualmente para um gestor público como Graciliano?

Dificilmente. Mesmo em sua época, Graciliano foi rechaçado por contrariar muitos interesses, inclusive se indispondo com parentes quando eles descumpriam alguma norma. Ele não tinha apego a cargos públicos, não pedia votos, blindava a administração de interesses privados e sua luta, por exemplo, para levar ensino de qualidade às crianças pobres do Estado foi mal vista por muitos setores tradicionais da sociedade alagoana que passaram a classificá-lo como um indesejado comunista, o que culminou com sua prisão sem direito a processo durante a ditadura Vargas. Se já havia pouco espaço para um político como ele naquela época, acredito que, infelizmente, haveria ainda menos espaço hoje em dia.

Após sair da prisão e fixar moradia no Rio de Janeiro, contudo, Graciliano terminou mais tarde aceitando um emprego no governo Vargas por indicação de Carlos Drummond de Andrade. Foi uma concessão política?   

Apesar de o emprego ter sido, de fato, uma indicação de amigos preocupados com a sobrevivência do escritor, os relatos mostram que Graciliano não deixou de encarar seu cargo com muita seriedade, apesar de se tratar de uma função sem grande projeção à época para um escritor já consagrado. Fontes da época mostram que ele nunca faltava ao trabalho e há relatos que seu trabalho era rigoroso na fiscalização de colégios da época, inclusive dos mais tradicionais, como o São Bento. Enfim, ele nunca usou o serviço público para atender interesses pessoais e foi um modelo que precisa ser resgatado como exemplo gestor e de servidor público nesses tempos sombrios.

_galeria_aqui_