Rui Palmeira fala sobre o que aprendeu com o pai, Guilherme, na política e na vida

Agendaa 7 de maio de 2020

Por Rodrigo Cavalcante

Não deixa de ser curioso.

Uma semana antes da morte nesta segunda (4) do ex-governador de Alagoas, Guilherme Palmeira, aos 81 anos (vítima de câncer), seu restaurante preferido em Brasília, o Piantella, anunciou o fechamento de suas portas após mais de quatro décadas reunindo grandes ícones da política nacional. 

Entre eles, o próprio Guilherme que, nas mesas do restaurante, costurou acordos, por exemplo, que resultaram na criação do Partido da Frente Liberal para apoiar, em aliança com o PMDB, a candidatura de Tancredo Neves.  

“E ele morreu sem ficar sabendo do fechamento do Piantella”, diz Rui Palmeira, Prefeito de Maceió, que falou abaixo com AGENDA A não só do político Guilherme Palmeira, como do pai, de quem Rui teve a chance de estar mais próximo nas últimas décadas. 

AGENDA A: Entre 1979 e 1982, quando seu pai foi governador de Alagoas, você tinha entre três e seis anos de idade. Guarda alguma lembrança desse período?

Tenho mais lembranças de 1982, quando já tinha seis anos de idade e acompanhava em casa a movimentação da campanha dele para o Senado. Antes disso, recordo de alguns momentos. Lembro, por exemplo, que chegamos a morar alguns meses no Palácio e eu achava tudo muito estranho, sombrio, naquele espaço cercado de guardas. Fiquei feliz quando mudamos para uma casa normal, primeiro na Gruta e, depois, no Farol. Quando ele saiu candidato ao Senado, já acompanhava mais de perto o burburinho e as reuniões políticas. 

Há quem diga que o seu temperamento é mais próximo do de sua mãe, Suzana Palmeira, mais reservada, do que de seu pai. Ainda assim, você seguiu a carreira política. Sentia-se cobrado por ele? 

Na verdade, no início, lembro que ele até me desestimulava. Dizia que devia seguir carreira própria, fazer cursos de especialização, mestrado, enfim, investir em uma carreira longe da política. Por outro lado, percebia como os olhos dele brilhavam quando falava do orgulho que tinha por ter seguido os passos do pai (o senador da UDN Rui Palmeira, que morreu quando Guilherme tinha 29 anos) e de ter conseguido realizar obras importantes para o Estado. Em momentos assim, sentia, de certa forma, que ele estava me enviando uma espécie de indireta direta para me inspirar.  

Em 1994, quando você tinha 17 anos, seu pai foi indicado a vice-presidente na chapa do FHC, mas dias depois teve o nome vetado após ataques e denúncias de adversários. O quanto isso o abalou?

Lembro bem do dia em que ele foi anunciado como pré-candidato a vice do Fernando Henrique. Estava em casa, atendi o telefone e ele falou algo como “preciso avisar sua mãe que tô no meio de uma confusão aqui porque me indicaram para vice do Fernando Henrique”. Mas, acho que, desde o início, ele relutava um pouco, estava um tanto constrangido, porque sabia que o Marco Maciel desejava a vice-presidência e ele tinha muita proximidade e respeito pelo Marco Maciel. Acho que ele ficou até um pouco sem graça quando o Fernando Henrique decidiu escolhê-lo por ser um político com um jeito mais popular, enquanto o Marco Maciel era aquela figura mais tímida. Lembro que, quando o então pré-candidato a vice do Lula, o Bisol (José Paulo Bisol, então no PSB), foi alvo de denúncias e terminou sendo substituído (por Aloizio Mercadante), começou também o bombardeio para tirar o nome do meu pai como vice. Recordo que ele chegou a se antecipar e dizer ao Fernando Henrique que devia substituí-lo, mas Fernando Henrique insistiu, até seu nome ser trocado.

E ele não ficou abalado pela forma como foi substituído? (À época, houve denúncias de que seu então assessor, Carlos Abrahão Moura, tentava favorecer uma empreiteira chamada Sérvia)

Pelo que me lembro, não. Ao menos, não demonstrou. Até porque, como disse, acho que ele estava meio sem graça e sentia-se, de certa forma, desconfortável por ocupar um espaço desejado pelo amigo Marco Maciel. Além disso, meu pai, como todos sabem, nunca foi um homem de guardar mágoas. Sempre teve uma personalidade generosa e nunca o vi desejar vingança de ninguém. Acho que, no fundo, ele até ficou feliz por tirar um peso das costas e pela indicação do Marco Maciel, que, com seu modo discreto, fez um excelente trabalho de articulação política como vice do FHC. E meu pai logo se engajou na campanha. 

Na família Palmeira, há troncos políticos mais à direita, como do seu pai e seu avô, e mais à esquerda, como seu tio Vladimir (um dos líderes estudantis à frente da Passeata dos Cem Mil, em 1968, e um dos fundadores do PT, tendo deixado o partido após se opor à condescendência do partido com casos de corrupção). Como seu pai lidava com essas diferenças?

De forma muito tranquila e respeitosa. Na equipe do governo dele em Alagoas, inclusive, havia muitos quadros de esquerda. Na Secretaria da Saúde, por exemplo, comandada então por José Bernardes Neto, havia nomes como o de Selma Bandeira (médica e militante política nos anos 1970 que se elegeria deputada estadual pelo PMDB, e morreria em um acidente de automóvel em 1986, aos 42 anos). E isso ainda nos últimos anos do regime militar. Ele sempre me dizia que o mais importante era comprometimento e competência. Meu pai tinha suas opiniões, mas sempre foi afeito ao diálogo e lhe incomodava muito esse clima de intolerância política que vivemos. 

Quando você, de fato, decidiu sair candidato pela primeira vez (em 2002, para deputado estadual, mas não se elegeu), qual foi o nível de engajamento dele?

Quando falei com ele sobre minha intenção de sair candidato, em 2001, lembro que ele, num primeiro momento, não parece ter gostado. Preferia que terminasse minha faculdade. Ainda assim, claro, ajudou muito, ligando para amigos e pessoas próximas. Mas, ele dizia que o tempo dele já havia passado e que a maioria dos cabos eleitorais ou estavam velhos ou haviam morrido (risos). Mas sei, claro, que o nome dele ajudou na votação que tive, apesar de não ter vencido devido ao número de votos exigido pela coligação. 

E quando você, já deputado estadual em 2007, decidiu se isolar, inclusive de seus colegas de partido, em meio ao escândalo da Operação Taturana. O que ele lhe disse à época?

Ele respeitou minha posição de não aceitar alguns tipos de acordo, mas ficou um tanto preocupado. Acredito que uma preocupação natural que todo pai tem com um filho, inclusive porque, naquele momento, acho que ele temia até por minha integridade física, em função do clima da Assembleia. Mas, em nenhum momento, pediu para eu mudar minha postura. E sempre me deu muita força.

Qual o traço dele que você mais admirava e tenta seguir e qual o traço dele que você evita incorporar?

O que mais tento me inspirar nele é a simplicidade. Meu pai era uma pessoa que conversava com naturalidade tanto com um alto diplomata do Itamaraty como com um pedreiro no bar tomando uma Pitú. Ele transitava com essa naturalidade por todas as classes. E sempre dizia que a gente precisa escutar o povo na rua. Mesmo nos últimos dias antes de morrer, sem entender ainda muito bem as medidas de isolamento social, perguntava por que eu não estava circulando pela rua com a mesma intensidade de antes, me perguntava sobre as obras de Maceió. 

E o traço dele que você procura não seguir… 

Como, devido à política, ele estava sempre ocupado e muitas vezes distante, me esforço hoje para estar mais próximo da minha filha na infância do que ele costumava ou podia ficar comigo. Até porque, nessa época, nos anos 1980, ele estava no meio do furacão da política em Brasília como presidente nacional do partido. Lembro que via com inveja, na escola, que os pais e as mães se revezavam para apanhar o filho. E ele nunca conseguia me apanhar no colégio. Quando ele apareceu para me apanhar um dia, quando tinha uns 12 anos, foi tão marcante que me lembro até hoje. Mas, felizmente, tivemos a chance de conviver mais com ele nos últimos anos. Ainda que, por temperamento, às vezes ele se abrisse mais com os amigos do que com a família, nos aproximamos mais, principalmente nos almoços de sábado, quando ele relaxava, tomava um vinho e contava histórias e casos de juventude. 

Você ainda o procurava para tomar decisões políticas recentes importantes, como sua desistência de disputar o governo na eleição passada?

Sim, sempre conversei com ele. Até pela vivência dele na política. Uma vivência que lhe dava uma visão privilegiada das forças políticas. Na eleição passada, ele me aconselhou a não disputar, achava que a campanha teria muitos entraves. E acho que ele tinha razão. 

E como ele via o ambiente político nos últimos dias? 

Andava muito frustrado, como todos nós, pelo clima de radicalização. 

E quanto a Alagoas, ele tinha alguma frustração por não ter feito algo?

Ele se orgulhava do que fez, mas falava com certa frustração de Alagoas não ter se desenvolvido industrialmente como ele e sua equipe havia planejado. Quando ele saiu do governo, por exemplo, deixou, junto com secretários como o Evilásio (Evilásio Soriano, ex-secretário de Planejamento), as bases para a implementação do Polo Cloroquímico. E depois, por uma série de motivos, o polo não foi implantado como planejado. Ele dizia, por exemplo, que ao menos dez empresas já haviam sinalizado que desembarcariam no polo em Alagoas. Por outro lado, ele falava com orgulho de obras entregues que ajudaram a desenvolver a economia e o turismo, como o saneamento da Pajuçara, as estradas de acesso ao Francês e a Barra. E, principalmente, da adutora do sertão, que ele falava com carinho, por levar água a cidades que não contavam com abastecimento regular.

Com a morte dele, você sente mais vontade de disputar o governo daqui a dois anos? 

No momento, diante dessa crise em que vivemos, acho que todos nós estamos pensando em superar essa fase com o mínimo de perdas. Quando essa crise passar, tenho vontade de estudar mais, viajar, e só depois vamos ver o que vai acontecer.

Velório e enterro de ex-governador costuma virar comício. Com o coronavírus, ele teve um sepultamento discreto. Acha que ele preferiria assim?

Acho que sim. Até porque, com aquele jeito sincero dele, ele dizia ultimamente que “não queria p… nenhuma de velório, que não queria político discursando no enterro dele” (risos). E, em meio às medidas de isolamento necessárias, partiu cercado de poucos familiares e amigos próximos. Acho que ele achou melhor assim.