Usina nuclear à beira do São Francisco: Pernambuco quer atrair central para o Sertão. E Alagoas?

Agendaa 13 de julho de 2020

Alagoas, Pernambuco, Bahia e Sergipe.

Segundo a Eletronuclear, empresa da Eletrobras responsável por operar e construir usinas termonucleares no Brasil, esses são os Estados do Nordeste com áreas mais adequadas à instalação de usinas termonucleares que devem ser construídas como parte da estratégia do  Governo Federal de expansão da matriz energética nuclear.

De acordo com o Plano Nacional de Energia 2050 que deve ser divulgado nos próximos dias para consulta pública, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia,  prevê a expansão da produção de energia em até 10 gigawatts (GW) com a finalização de Angra 3 e a construção de 6 a 8 novos reatores, a depender do tipo e capacidade de reatores – a previsão foi confirmada no último dia 6 de julho pelo próprio presidente da EPE, Thiago Barral, como pelo secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético,  Reive Barros dos Santos, em webinar sobre o tema).   

Segundo apurou AGENDA A, os locais mais aptos para construção de usinas nesses quatro  estados estão em cidades à beira do Rio São Francisco, como Traipu, em Alagoas, ou Itacuruba, no sertão de Pernambuco (além de próximas da central da Chesf, a abundância de água para ajudar a resfriar os reatores, menor densidade populacional e a estabilidade do solo seriam algumas das vantagens desses locais).

Enquanto o governo de Alagoas e a bancada alagoana na Assembleia e no Congresso ainda não se mobilizam sobre o tema, lideranças de Estados vizinhos, principalmente de Pernambuco, se mexem para atrair a usina. Em outubro do ano passado, por exemplo, uma comitiva de deputados da Assembleia Legislativa de Pernambuco foi fazer visita técnica às usinas de Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro,  para avaliar o impacto das usinas na região. Na ocasião, a maioria se mostrou favorável à atração do investimento que, segundo previsões dos deputados da Alepe, poderia render a Pernambuco 750 milhões de reais de ICMS e 150 milhões de ISS para Itacuruba — sem falar nos milhares de empregos diretos e indiretos para a região. O projeto, apesar de ter gerado algumas caminhadas de protestos na cidade, também é defendido por personalidades científicas como o físico e ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, que já afirmou que desprezar o investimento de bilhões de reais no Sertão de Pernambuco seria “um erro histórico”.

Em Alagoas, a secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico e Turismo disse a AGENDA A que o governo, por meio da Sedetur, teve uma conversa inicial com a empresa Eletronuclear e segue aberta ao diálogo para entender melhor o projeto e colaborar com o que for necessário. “Desde que sejam cumpridas a legislação ambiental, tributária, as normas sociais e a geração de empregos em Alagoas, temos, sim, interesse”, diz o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Rafael Brito.

Apesar da sinalização do secretário, o projeto, como apurou AGENDA A, ainda não mobiliza nem o governo, nem as lideranças políticas e científicas do Estado.

“É importante que o Estado de Alagoas se posicione com mais clareza sobre o tema”, diz Geoberto Espírito Santo, ex-secretário estadual adjunto de Energia e Recursos Minerais que já representou a região nordeste no Conselho Consultivo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Geoberto lembra que, durante o governo Téo Vilela, sofreu críticas ao lado de integrantes do governo por considerar o investimento  importante para a região. “Até porque, se as lideranças ignorarem o projeto por preconceito ou temor de riscos de acidentes, que hoje são mínimos,  poderão ver em breve uma usina nuclear construída em uma cidade na outra margem do São Francisco sem que o Estado seja beneficiado pelos bilhões de dólares investidos”. (Se o plano for concretizado, especialistas estimam que o investimento total até 2050 chegue a cerca de US$ 50 bilhões (mais de R$ 270 bilhões de reais em câmbio atual). 

Ou seja: Alagoas compartilharia os riscos, mas nenhum benefício do investimento.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, independentemente da posição de Alagoas, haverá uma luta entre os Estados para sediar a central nuclear. “É um investimento tão alto e importante que estados do Sudeste,como Minas Gerais, já estão entrando na luta para atraí-lo”, diz Cunha. “E isso é natural, não apenas pelos recursos financeiros investidos, como pelos benefícios para o desenvolvimento científico e tecnológico dessas regiões, já que a instalação de uma central nuclear requer recursos humanos altamente qualificados para a construção e, principalmente, para a operação das usinas”.

Como, contudo, a instalação de uma central nuclear em qualquer cidade do Nordeste à beira do São Francisco terá impacto sobre todos os quatro Estados (Itacuruba fica, por exemplo, a pouco mais de 169 quilômetros de Delmiro Gouveia), será que faz sentido deixar que um Estado sozinho se arrogue no direito de ter uma central nuclear para si, já que o risco será compartilhado pelos vizinhos?

“Caso os Estados queiram atuar em conjunto, não há empecilho, por exemplo, para que os reatores sejam distribuídos em cidades próximas consideradas aptas tecnicamente para receber o projeto”, diz o físico Aquilino Senra Martinez, pesquisador premiado e professor titular do programa de Engenharia Nuclear da Coppe, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Até porque o governo já prevê a possibilidade de trabalhar inclusive com tecnologia dos chamados Pequenos Reatores Nucleares Modulares (Small Nuclear Reactor, SMR), que permite a desconcentração da produção em reatores de menor porte construídos de acordo com a demanda energética da região”.

Ou seja: se os políticos alagoanos ainda não firmaram posição em relação ao possível desembarque de uma central nuclear, é bom se mobilizarem, nem que seja via novos arranjos como o Consórcio Nordeste, para garantir ao menos que o Estado não terá uma usina nuclear “no seu quintal” – sem receber nenhuma parcela dos bilhões previstos no projeto.