Como manter a efervescência do Jaraguá pós-Bienal? Veja o que diz cofundador do Porto Digital

Agendaa 12 de novembro de 2019

por Rodrigo Cavalcante

Não, não foi o número de estandes (na realidade, houve redução significativa de editoras) nem tampouco a programação de palestrantes que marcaram a edição da Bienal Internacional do Livro encerrada neste domingo.

“Acredito que o maior destaque da Bienal desse ano foi a apropriação afetiva do bairro do Jaraguá pelos alagoanos”, diz o paraibano Claudio Marinho, um dos fundadores do Porto Digital de Recife que esteve à frente de quase todos os grandes projetos de revitalização urbana, econômica e tecnológica da capital pernambucana – e já prestou consultoria à Prefeitura de Maceió.

Após ter vindo à Bienal como palestrante, ele falou com AGENDA A sobre o que podemos fazer para manter a vitalidade do bairro para além do evento.

AGENDA A: Como consultor e especialista em projetos de revitalização, você sempre foi um defensor da importância do Jaraguá para Maceió. Como a escolha do bairro para Bienal pode ser um gatilho para a revitalização definitiva do bairro?

Para mim, foi uma grata surpresa ver a efervescência do bairro do Jaraguá durante a Bienal. Uma prova de como a relação afetiva dos alagoanos com o bairro é intensa e estava apenas submersa. Das crianças aos mais velhos, houve uma apropriação afetiva importante parao bairro. Esse é o principal legado de eventos como esse, o poder de resignificar o bairro para que as pessoas passem a ocupá-lo de outra forma. Aqui em Recife, eventos como o Rec’ N’ Play, que unem temas como economia criativa, tecnologia e cidades inteligentes, também têm crescido a cada ano e ajudado a criar essa apropriação na área do Porto Digital. Mas, para que essa energia se mantenha, há uma série de outras ações necessárias. Uma delas, por exemplo, já foi realizada pela Prefeitura de Maceió e acho que muita gente ainda não se deu conta do impacto e da importância para o bairro.

Qual?

A transferência da própria sede da Prefeitura para o Jaraguá. Essa mudança, tanto pelo aspecto simbólico como pela transferência física, é essencial para sinalizar que a valorização do bairro não está apenas no discurso. A presença da Prefeitura é um compromisso importante para consolidar a centralidade do bairro.

A Prefeitura também aprovou incentivos tributários para estimular áreas da economia criativa e de moradia no Jaraguá no entorno. Você acha que esses incentivos serão suficientes para mudar o perfil do bairro?

Acredito que a lei acertou ao estimular não apenas áreas de tecnologia, como outras áreas como artes, cultura, educação, entre outros. Essa diversificação é importante. Não faz sentido replicar modelos externos, inclusive do Porto Digital, sem levar em conta o ambiente e a vocação local. Outro ponto importante são os incentivos a projetos residenciais estendidos a áreas adjacentes ao bairro. A moradia é essencial para revitalizar qualquer região e a oferta de desconto de 50% no IPTU por cinco anos facilita a atração de projetos. É também possível estimular, por exemplo, que o espaço de uma galeria de um artista seja o lugar de residência dele. Acho que o próprio presidente da Fundação Municipal de Cultura, Vinicius Palmeira, propôs algo nesse sentido. Em Recife, estamos trabalhando em projetos interessantes para transformar prédios históricos em espaços de co-living, a chamada moradia compartilhada, onde o inquilino paga uma mensalidade por um pequeno espaço, por exemplo, de 17 metros quadrados, em troca de contar com espaços maiores de convivência. Por que não fazer isso no Jaraguá? Após inúmeros erros e acertos em projetos de revitalização desde os anos 1980, sabemos que o chamado uso misto, onde o bairro é local de moradia, de trabalho e de lazer, é essencial para que o bairro viva 24 horas, e não apenas em horários comerciais, como é hoje o caso não apenas do Jaraguá, como do Centro de Maceió.

No mesmo Jaraguá, o Governo do Estado está finalizando o prédio do Polo de Tecnologia da Informação. Mas, em função das disputas políticas, nem Governo nem Prefeitura parecem ter maturidade para traçar um plano conjunto de ações para o bairro. Como vocês conseguiram proteger o Porto Digital em Recife desse tipo de ameaça?

No caso do Porto Digital, acho que o segredo está no modelo de governança público-privada que, desde o princípio, se fortaleceu para não se tornar alvo da picuinha política. Apesar das polarizações políticas, o projeto se consolidou de tal forma que tornou quase impossível esse tipo de picuinha. Quando Eduardo Campos assumiu o Estado no lugar de Jarbas (Vasconcelos), por exemplo, o Porto Digital já estava em velocidade de cruzeiro que tornava impossível que o projeto passasse a ser encarado como desse ou daquele governo. Era um projeto de Pernambuco. Daí a importância do que vi na Bienal no Jaraguá com a presença da população no bairro. É exatamente essa apropriação afetiva do bairro pelo cidadão que preserva projetos de eventuais disputas menores. Quando os alagoanos mostram, como mostraram nessa bienal, que amam o bairro, o projeto deixa de ser desse ou daquele governante e passa a ser de toda a cidade. É essa pressão externa que torna o projeto mais imune a esse tipo de picuinha, que existe em todo o país. Acompanhei o projeto do prédio do Polo do Jaraguá desde o nascedouro, quando o secretário de Ciência e Tecnologia ainda era o Eduardo Setton. Mas sabemos que um prédio é só um hardware se não houver um software rodando com a presença de gente boa de vários segmentos, do setor público e privado. Enfim, quando o cidadão assume para si o projeto, é mais fácil que ele vire realidade.

 

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