Antes de espetáculo nesta 6ª em Maceió, Zizi Possi conta por que expôs a própria depressão

Agendaa 26 de agosto de 2019

Por Rodrigo Cavalcante

Zizi Possi nunca se expôs tanto.

Desde 1978, quando lançou o primeiro LP, aos 22 anos, para logo se tornar uma das vozes femininas mais importantes da MPB (gravando já no ano seguinte com Chico Buarque a canção “Pedaço de Mim”), a paulistana do Brás de família descendente de napolitanos provavelmente nunca se arriscou tanto como no espetáculo À Flor da Pele, que chega a Maceió nesta sexta (30, no Teatro Gustavo Leite, às 21h), em que decidiu expor as próprias dores e a experiência da depressão com música e poesia.

“Graças ao interesse e amor do meu irmão, descobri que o público poderia se interessar, sim, por um espetáculo que tivesse a coragem de abordar esse tema”, diz Zizi, falando sobre o irmão e parceiro José Possi Neto, diretor de teatro que assina o espetáculo que inclui músicas, poesia e textos (veja trailer do espetáculo abaixo).    

Poucos dias antes de desembarcar em Maceió, Zizi falou a AGENDA A sobre o início da carreira, a mudanças na MPB e sobre como decidiu lançar um espetáculo na contramão da ditadura da falsa felicidade em redes sociais.

AGENDA A: Você tinha 21 anos quando foi descoberta por Roberto Menescal e, em pouco tempo, já estava gravando com Chico Buarque numa época em que Elis, Gal Costa, entre outras rainhas da MPB, estavam no auge. Nunca se intimidou ao lado dessas feras?

E olha que cheguei um ano antes de uma série de novas cantoras como a Sandra de Sá, Elba Ramalho, Marina Lima (risos). Mas, aquele era outro momento da música brasileira. Era outro momento da indústria fonográfica. Gravadoras como a Philips contavam com grandes nomes como Roberto Menescal que saíam pelo Brasil em busca de novos talentos. E foi numa ida a Salvador que indicaram meu trabalho ao Menescal. Do ponto de vista musical, de composição, arranjo, me sentia muito segura, até pela minha formação (teve aulas de piano desde os 4 anos e foi a Salvador estudar Composição e Regência na UFBA). Do lado pessoal, claro, era uma sensação esquisita estar ao lado de ídolos. Na gravação com o Chico, quando não estava cantando, colocava a mão no bolso e baixava a cabeça (veja vídeo aqui). Não chegava a ser intimidação, era um misto de emoção, respeito e até, confesso, uma quedinha. Tinha uma foto do Chico na capa do fichário do colégio. E de repente estava ali, não apenas dividindo a voz com o Chico, mas ao lado do Beto Guedes tocando bandolim, do Novelli no Contrabaixo, do Milton Nascimento fazendo vocalise. Imagina, nem acreditava. Tanto assim que fiquei caladinha sem contar nem para a família sobre a gravação com medo da música não ser lançada, o que deixou meu irmão chateado.

Apesar de tão bela, é difícil imaginar hoje que uma canção com um tema tão triste, como Pedaço de Mim (homenagem a Zuzu Angel, cujo filho Stuart foi morto pela ditadura militar de 1964), seria lançada comercialmente hoje. No espetáculo À Flor da Pele, você não teve medo de falar das dores, da tristeza e da sua experiência com a depressão. De onde partiu a coragem para expor as próprias dores no palco?

O mundo realmente mudou tanto que hoje virou um tabu falar da própria dor. É como se o artista tivesse que ser um animador de auditório. E falar de tristeza não cabe no papo, é considerado baixo astral. E aí a gente chega a um ponto em que as pessoas se sentem na obrigação de parecerem tão felizes e perfeitas nas redes sociais que alguns jovens, diante de alguma dor ou frustração, já pensam em suicídio. Ora, a tristeza não é uma escolha, a dor faz parte da vida. Não há como perder um pai ou um parente querido e não ficar triste. Mas as pessoas parecem não se permitir mais a se sentirem tristes e querem logo uma solução, um medicamento, confundindo a tristeza, que faz parte da vida, com a depressão, que é um quadro completamente diferente. Há tanta desinformação que muita gente não percebe sequer a diferença.

Como você, que enfrentou uma depressão, percebeu a diferença?

Já passei na vida por muitos momentos difíceis de separações, perdas, enfim, tristezas e dores de todo o ser humano. E com ajuda de terapia, que faço desde muito cedo, sempre tentei compreender e elaborar esses momentos. A depressão é diferente. Na hora que ela chega, é como um copo que transborda. No dia que percebi, me vi chorando por 12 horas seguidas sem conseguir sequer falar. Até que um médico veio me ver. Conto isso no espetáculo (foi no dia 11 de setembro de 2001). A depressão envolve uma série de transtornos físicos que colocam a pessoa numa situação delicada e de risco até que os remédios consigam fazer efeito. E quem tem depressão ou convive com alguém da família sabe que há um longo e difícil processo até que se consiga encontrar a dosagem ideal da medicação para cada paciente. E para piorar, por desinformação, muita gente nesse momento, ainda que com boa intenção, termina falando coisas que nada ajudam ao paciente. Conselhos do tipo “não se entregue à tristeza”, “mude de atitude”, como se a depressão fosse uma espécie de postura do paciente diante da vida. Quem me deu coragem para transformar esse tema em espetáculo foi o meu irmão, o Zé (José Possi Neto, na foto abaixo), num momento de muito amor em que, pela primeira vez, senti que ele realmente aceitou minha condição.

Ele não aceitava até então?

Com seu amor, ele estava, claro, profundamente preocupado e angustiado com minha situação. Até que um dia ele perguntou se eu estava escrevendo algo. Disse que estava, mas que não sabia se estava a fim de mostrar para ele. Até porque, pelo respeito e admiração que tenho por ele, acho que tinha receio de que, como irmão, ele viesse a esculhambar, enfim, sinceramente não desse valor. Ele não apenas leu como se empolgou, uma aprovação que me deixou muito contente, pois o Zé é a minha grande referência. Nesse momento, me senti muito mais amada ao perceber também como ele entendeu a condição. Aí ele me perguntou se eu estava disposta a falar abertamente sobre a depressão. Falei que estaria disposta, mas questionei se alguém teria interesse em ouvir sobre isso. E ele, com toda sua experiência, disse que acreditava que muita gente teria, sim, vontade de ouvir sobre isso. Foi então que ele começou a costurar meus textos com o trabalho do poeta Eduardo Ruiz, que ele me apresentou, incluindo outros textos e citações como do filósofo Nietzche, que li muito nesse período. E assim surgiu À Flor da Pele, dessa necessidade que tinha não apenas de cantar, mas também de falar e compartilhar com o público. E ele tinha razão. O espetáculo tem lotado e a recepção tem sido surpreendente. Acho que as pessoas estão de saco cheio dessa felicidade empostada em redes sociais em que todos têm que aparecer perfeitos de corpo, superficialmente simpáticos. Nesses momentos, me lembro muito do Gonzaguinha.

Por quê?

Por que não entendia como ele, que era tão gente boa, às vezes punha uma cara séria e carrancuda quando ia dar uma entrevista. E aí ele me respondia: Zizi, porque o mundo gente já tem gente demais fazendo cara de simpática (risos).

Uma carranca genial e nada instagramável…

Isso, acho que as pessoas estão sentindo falta de pessoas que, como o Gonzaguinha, não tinha medo de compartilhar suas verdades, suas dores para se enquadrar nesse ou naquele padrão. E o espetáculo tem me proporcionado um retorno muito gratificante. Recebo cartas extremamente tocantes de pessoas que passaram ou estão passando pelo que passei. Saber que o espetáculo, de alguma forma, tem um impacto na vida dessas pessoas, é extremamente gratificante, ainda que aumente ainda mais minha responsabilidade.

Qual o efeito que o espetáculo terminou tendo no seu caso?

Acima de tudo, de um grande alívio. Tinha muitos temores antes da estreia. Mas, a receptividade foi tão tocante que acho que esse alívio, pra ser franca, teve até um efeito estético. Ao ponto de muita gente me perguntar se fiz uma plástica, talvez porque teve o poder de mudar até meu semblante. Não há nada mais rejuvenescedor do que compartilhar aquilo que você é integralmente. Incluindo as dores e todas as outras dimensões de ser humano.    

 

SERVIÇO

ZIZI POSSI – À FLOR DA PELE

Data, hora e local: 30 (sexta), 21h, Teatro Gustavo Leite

Ingressos: Plateia A: Inteira – R$ 120,00, Ingresso solidário – R$ 100,00 + 1k e alimento não perecível/ Meia – R$ 60,00/ Plateia B:  Inteira – R$ 100,00 Ingresso solidário – R$ 80,00 + 1k e alimento não perecível Meia – R$ 50,00/ Mezanino: Inteira – R$ 80,00Ingresso solidário – R$ 60,00 + 1k e alimento não perecível/ Meia – R$ 40,00/Venda on line: www.suechamusca.byinti.com

Mais inforações: 82 3235-5301 / Whats App: 82 99928-8675/ fb.com/suechamusca/ @suechamuscaoficial