Aos 81, Martinho da Vila faz show em Maceió e fala sobre Alagoas, Collor e até do lendário Mossoró

Agendaa 31 de maio de 2019

por Rodrigo Cavalcante

Devagar, devagarinho, ele chegou aos 81.

E foi em 1981, quase 40 anos atrás, que Martinho da Vila se declarou oficialmente a Alagoas com a música “Só em Maceió” (ouça abaixo), gravada no LP Sentimentos, em que homenageia as praias, o sururu e até as “meninas do Mossoró”, a lendária casa noturna frequentada e conhecida por muitos alagoanos de gerações passadas – em caso de dúvida, pergunte ao seu pai ou avô.

No próximo sábado (8 de junho), Martinho da Vila volta a Alagoas com o novo show  “Bandeira da Fé” (no Teatro Gustavo Leite, às 21h), estampando o mesmo sorriso, ritmo e bom astral – ainda que reconheça que o astral do Brasil e do Rio andam um tanto carregados.

Para o ex-sargento que trocou a estabilidade da caserna para carregar 50 anos de carreira bem sucedida em um país sempre à beira da disritmia, Martinho sabe que não há resistência maior do que o sorriso e o otimismo de que a vida vai melhorar.

“O otimista tem que trabalhar para fazer acontecer, o pessimista já desistiu por antecipação”, diz o sambista oitentão em entrevista por telefone concedida a AGENDA A, uma semana antes do show que incluirá clássicos  como Casa de Bamba, O Pequeno Burguês, Devagar Devagarinho, Mulheres…  

“Teka, rendeira. Eliane, praieira. Vamos pra Paripueira”. Quem são as duas e de onde surgiu a ideia de homenagear as praias, lagoas e as meninas do Mossoró na canção “Só em Maceió”?

Nas minhas andanças com a música, uma das coisas que mais agradeço é a chance de conhecer novos lugares. E o Nordeste, então, claro, era a região que sempre quis percorrer. Por onde ando, procuro descobrir lugares que nem sempre estão nos guias. Lembro que alguém me disse: vá no Pontal conhecer o trabalho das rendeiras. Então fui. E fui muito bem recebido pela Teka, rendeira de lá, que me mostrou lugares lindos e um restaurante à beira da Lagoa Mundaú, o Maré. Depois, conheci a Eliane, de quem me tornei amigo e com quem fui à Praia do Francês, à Paripueira. A amizade se estendeu à família, como o pai, o João, do caldinho de feijão da música. E como o LP Sentimentos reunia histórias que me tocavam, decidi incluir essa experiência em Maceió no disco.

Incluindo as meninas do Mossoró…

Rapaz, o Mossoró (dono da “boate” Areia Branca) conheci logo após um show meu em Maceió. No final do show, apareceu aquele negão enorme, acompanhado da esposa e de duas moças muito bonitas. Aí ele me convidou para ir no dia seguinte à casa dele. E eu, educadamente, fui (risos).

E o “Fernando Mello”, citado na música, anos antes de se tornar o presidente Collor, você conheceu onde?

Essa história é curiosa, porque conheci o Fernando antes dele entrar na política. E não foi em Maceió. Foi em Paris. Fui fazer um show por lá no final dos anos 1970 e, após o show, ele e a noiva (sua primeira mulher, Lilibeth) vieram ao camarim e me convidaram para ir a um clube noturno. Lembro que falei que iria fazer um show na Suiça, e ele disse que apareceria por lá. Não acreditei muito, mas não é que ele foi (risos)? Depois disso, acho que em 1980, quando fui a uma rádio em Maceió divulgar meu show, o radialista disse que recebeu ordens para que fosse encontrar seu chefe. Fiquei “p” da vida, mas ele insistiu, e só descobri lá que o tal chefe era o Fernando Collor de Mello, que me obrigou a cancelar as outras entrevistas e mandou que os veículos da empresa dessem uma grande divulgação do show. 

Você foi a Angola em 1972 e, desde então, acabou se tornando uma espécie de embaixador do país, além de pioneiro na defesa da aproximação do Brasil com os países da África. Hoje, o movimento negro tem postura mais incisiva na defesa de seus direitos e não aceita conquistas num ritmo “devagar, devagarinho”.  Quais as suas afinidades e diferenças com os atuais movimentos?

Olha, costumo ser respeitado pelo histórico e acho que pela idade (risos), mas também por ter sido, de fato, um pioneiro na ponte África-Brasil, ainda que de forma inicialmente espontânea. Acontece que quando estive em Angola, no início dos anos 1970, quase ninguém no Brasil sabia nada sobre o que se passava por lá. Aí voltei e um bocado de gente veio me perguntar sobre o que estava acontecendo. Ou seja, antes mesmo de Angola se tornar independente (1974), terminei me tornando uma ponte dos angolanos no Brasil, inclusive para receber políticos e empresários que vinham por aqui. Até Angola vir a ter um embaixador oficial em Brasília, o que demorou anos, fiz esse papel. E olha que legal, depois que a embaixada em Brasília foi aberta, eles me deram o titulo de embaixador honorário. Sei que algumas lideranças podem discordar da forma como encaro a conquista de direitos. Até porque acredito que às vezes o “devagar, devagarinho”, se ninguém desviar do caminho, pode alcançar mais rápido alguns objetivos. Se identifico alguém que considero racista, procuro conquistar a pessoa de uma forma a vencer a resistência, o que muitas vezes implica em me aproximar mais dela. E, quando essa batalha é vencida, passamos a ter um aliado, em vez de um adversário. Daí minha admiração por Nelson Mandela, que resistiu anos na cadeia e chegou ao poder sem perder o sorriso. Derrotou o apartheid e nunca caiu na armadilha de adotar uma política revanchista mesmo contra aqueles que lhe causaram sofrimento. Mandela também ensinou outra lição importante esquecida por muitos líderes políticos no Brasil. Não deixou que o apego ao poder o apequenasse. 

Apesar de evitar recentemente falar sobre política, você se filiou ao PCdoB no passado. Nunca pensou em se candidatar?

Não, minha filiação, na época, se deu a pedido do amigo Edmilson Valentin, que foi presidente do partido estava fazendo uma campanha para expandir o número de filiados. E aí muita gente achou que estava me filiando para lançar alguma candidatura, o que nunca ocorreu.        

Há cerca de dois anos, você chegou a dizer que não acreditava na existência de um “racismo doentio” no Brasil e que políticas como a de cotas estavam começando a se consolidar. Desde então, houve um retrocesso?

Sim, acho que um retrocesso bem grande.

E como manter o bom astral nesse momento em que o Rio também vive uma fase tão baixo astral…

Sempre acredito que vai ter saída, sou positivo. É a tal coisa. O pessimista se acomoda, porque acha que a batalha tá perdida, o otimista vai à luta. O pessimista é aquele cara que, antes de entrar na avenida, reclama que escola tá mal organizada, diz que o enredo é fraco, que a escola vai cair de grupo. O otimista entra e diz vamos lá, vamos ganhar, vamos mudar a história. Completei 81 anos e falo com alguns amigos que acho que, quem sabe, não dá pra chegar aos 100? (risos) Já tem outros que dizem que não, que isso é impossível, que quase ninguém chega lá. E aí já morrem por antecipação.

Esse otimismo vem da sua mãe, Dona Tereza, sobre quem você escreveu um livro (Memórias Póstumas de Tereza de Jesus)?

Sim, vem dela. Uma mulher que lutou, nunca se lamentava, cantava e costumava falar: meu filho, desconfie das pessoas muito sérias. E eu continuo obedecendo, desconfiando (risos).

Além de sambista, você tem uma carreira consolidada como escritor e esteve na Bienal Internacional do Livro em Alagoas para lançar em 2017 sua coletânea de crônicas “Conversas Cariocas”. Que novo livro trará dessa vez?

Estou lançando um novo livro de crônicas que escrevi sobre acontecimentos do ano passado, terminado exatamente no dia 31 de dezembro. Mas, infelizmente, acho que não vou ter tempo de lançar durante o show em Maceió.  O título é “2018 – Um ano atípico” que, em breve deve chegar aí nas livrarias.   

Serviço

Show Bandeira da Fé – Com Martinho da Vila, acompanhado dos músicos Gabriel de Aquino (violão), Alaan Monteiro (cavaco), João Rafael (baixo), Paulinho Black (bateria) e  Juliana Ferreira no vocal.

Data, hora e local: 8 de junho (sábado), 21h, Teatro Gustavo Leite, Centro de Convenções (Jaraguá).Ingressos: Plateia A (R$ 204 inteira, R$ 102 meia entrada e R$ 122 meia entrada social, levando um 1kg de alimento não perecível, exceto sal e fubá). Plateia B (R$ 164 inteira, R$ 82 meia e R$ 102 meia entrada social)  Mezanino (R$ 144 inteira, R$ 72 meia e R$ 92 meia entrada social).  

Pontos de Vendas: (online) www.lojadeingresso.com (físicos) Viva Alagoas (Stand Maceió Shopping 1º piso) e Lojas Hering